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.TERAPIA XAMÂNICA E FATOR DE AUTOCURA

LEVY, Maria do Carmo Tavares
Psicóloga clínica. Pedagoga

Artigo histórico com que Carminha Levy funda e apresenta à
comunidade científica a visão filosófica inédita do
Xamanismo Matricial,
fusão do matriarcado com o patriarcado para uma nova consciência
.

* publicado em Anais e Sumário
II Congresso Internacional de Terapias Alternativas
1 a 4 de Setembro de 1988
São Paulo, Brasil
* published in Proceedings & Abstracts.
The 2nd International Congress of Alternative Therapies.
September 1st-4th, 1988
São Paulo, Brazil

SUMMARY. The author analyses the Myth and the Shamanism Fact -
the most ancient technique of cure and possible utilization in therapy.
Concepts as collective unconscious, images, symbols, Shadow, Manna Personality (the shaman) and Self, are offered as structures for psychotherapy in which the shaman archetype, as the primordial therapist, will mobilize the self cure factor.
KEY WORDS: Shaman. Self cure. Archetype.
Collective Unconscious. Shadow. Self.

Do Pa1eolítico datam as primeiras manifestações do Xamanismo. As pinturas rupestres (rituais de caça e de cura) atestam esta presença. Fenômeno universal que dominou a Ásia Central e Setentrional e as Regiões Árticas. Hoje é mais atuante na África e nas Américas.

O MITO - Miticamente nos primórdios da humanidade os homens encontravam-se num caos tanto exterior como interior, dizimados pelos "demônios" da doença, da fome e da morte. No seu desamparo, pediram ajuda ao Ser Supremo. A Águia é enviada. Inicialmente rejeitada - era apenas um pássaro - volta investida de um poder supremo que teria de ser dado ao primeiro ente que encontrasse. Este é uma bela mulher com quem copula, gerando assim o primeiro xamã: filho do Conhecimento e de uma energia feminina - indicação de que a cura e proteção devem vir do próprio ser humano e de sua capacidade de ampliar a consciência. Trabalho de instintual (nossa condição de animal humano) e da consciência egóica.

O FATO - "Arquétipo vivo", o xamã pode ser pesquisado nas figuras de nossos curandeiros e pajés ou através do brilhante trabalho de Mircea Eliade"O Xamanismo e as técnicas arcaicas de êxtase", entre outros. Atualmente Michael Harner, antropólogo norte-americano, vem se dedicando à difusão das técnicas xamânicas de cura, por meio de workshops, nos quais ele realiza a passagem do "mundo xamânico", para uma linguagem acessível ao homem dito civilizado. O xamã surge na tribo como um ser diferenciado que, ao manifestar comportamentos bizarros, declara sua condição de "iniciado". A vocação mística se manifesta por um isolamento do clã, por falar sozinho, por ter visões e adoecer. É a doença iniciática, na qual o xamã mede a precariedade da alma humana. Em êxtase, entra no "coma iniciático" e é levado para a caverna dos xamãs ancestrais onde sua cabeça é retirada do corpo e seus olhos lavados para que possa "ver" sua própria morte: desmembramento e renascimento. Seu esqueleto é desmontado, sua carne é cortada em pedaços e jogada nos quatro cantos do mundo para ser comida pelos "demônios da doença"- o que lhe outorga, posteriormente, o poder de conhecer todas as doenças e sua cura. Seu corpo é refeito, mas sempre faltará um ossinho - indicativo da imperfeição humana. O desmembramento consolida o direito de curar. Ainda em êxtase e em companhia de seu Animal Tutelar (aliado), que o protege e completa, desce aos infernos para conhecer o Senhor dos Mundos Profundos, com quem irá se confrontar todas as vezes que levar as almas dos mortos à sua morada. E, por fim, num clima de euforia, sobe aos céus, conhece o Ser Supremo e, numa epifania, usufrui todos os prazeres sagrados e profanos.

A iniciação se dá no universo interior, mas confirma-se com uma cerimônia externa da qual todo o clã participa com intensa alegria. Eles não mais estão sós, um dos seus participa do mistério do desconhecido, da doença e da cura. Investido de seus trajes xamânicos e acompanhado pelo ritmo dos tambores, considerado seu meio de transporte, o xamã entra num estado alterado de consciência, canta, dança, enquanto sobe a uma árvore previamente plantada (a árvore do mundo), na qual foram feitos nove cortes correspondentes aos nove céus que irá alcançar. A volta é a grande apoteose na qual dramatiza intensamente as aventuras da subida e a partilha com o clã, entre cantos e danças.

Ao desvendar os mistérios do desconhecido (doença, morte, ressurreição), o xamã deu ordem ao caos interior, estabeleceu uma geografia do mundo dos mortos e fez surgir da sua euforia pós-extática a poesia e a literatura épica, o teatro e a dança.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA - Do mito e do fato xamã, pajé, curandeiro, vamos buscar as possibilidades autocurativas que repousam no inconsciente coletivo, representadas pelas potencialidades inatas do comportamento humano: os arquétipos - equivalentes psíquicos do instinto. Numa situação típica e recorrente mãe-filho, homem-mulher, doente-curador, o ser humano reage arquetipicamente. A criança desperta na mãe o comportamento materno. Há na psique de cada mulher a potencialidade desta resposta como que significando que o filho já estaria contido na mãe. Isto posto, também o doente conteria em si o complementar do curador, por haver em sua psique a potencialidade arquetípica de cura. A iniciação do xamã nos mostra que aquele que contém a doença também tem em si a cura. A polaridade doença-cura é regida pelo curador internalizado, que possui a força instintual do arquétipo do xamã (a personalidade maná, para Jung). Encontramos esta polaridade em várias culturas: na Grécia, no mito de Chiron - o médico ferido; na Índia, Kali é a deusa da morte e da cura e, no culto do Candomblé, Omolu é o orixá da doença e é venerado como o "médico dos pobres". Na frase do cotidiano "ele conseguiu vencer a morte" encontramos as forças curativas do médico interiorizado em pleno funcionamento.

O médico externo, chamado a intervir no processo de cura, vai "constelar", polarizar o médico interno - o fator curador intrapsíquico - a única possibilidade real de cura. Aceitar a existência de um xamã interiorizado, da personalidade maná como arquétipo de cura traz a esperança de cura de todas as doenças.

Fazendo parte da nossa herança genética, o xamã repousa no inconsciente coletivo, reserva natural dos arquétipos reestruturantes. Ao contatar o inconsciente coletivo na terapia xamânica, o paciente entra no caudal curativo, criativo e religioso (de "re-ligare") do primitivo. Resgatar este mundo primitivo que foi cindido pela cultura judaico-cristã significa contatar enormes cargas energéticas oriundas do Self e, como tal, reorganizadoras.

Pela técnica da terapia xamânica é possível um contato direto com as imagens. Intensa representação psíquica mais próxima da percepção interna, fluxo e refluxo da criatividade, a imagem é representação da fantasia, visão que surge no uso da linguagem poética. E por ser uma fase prévia da idéia, sua terra mater, o contato direto com ela ajuda a registrar, sem a censura do verbal, o inverossímil e o contraditório que existem em nós - o paradoxo humano. Paradoxo este que necessitará sempre do símbolo, "máquinas transformadoras de energia psíquica", para fazer a síntese dos opostos. A natureza do símbolo não é racional nem irracional. Um dos seus aspectos é acessível à razão; outros provêm de uma percepção tanto interna quanto externa. O contato que se dá com o mundo animal na terapia xamânica é a nível do simbólico. O animal tutelar, um aspecto positivo da nossa sombra, é o detentor da energia vital que alimenta o animal humano.

Confrontar a sombra equivale a confrontar o guardião do umbral (este sempre aparece nos mitos e contos de fada) e é condição primordial para chegar ao tesouro - o Self, centro organizador da psique total. O confronto consciente e inconsciente faz surgir a ponte para o contato com o Self, que se torna atuante do Ego através desse re-ligare. Tal conquista é realizada com o auxílio do arquétipo da personalidade maná - o xamã, o feiticeiro que nos leva a conhecer nossa força primitiva. E que, por ser filho da Águia (que trouxe o poder de proteção e cura) e de uma bela mulher, pode ser considerado o arquétipo da autocura que só se dá quando o indivíduo assume a tarefa de ser o artífice de sua própria proteção e cura.

TÉCNICA DA TERAPIA XAMÂNICA - O xamã se diferencia dos demais curandeiros por só trabalhar no estado alterado de consciência: o êxtase ou SSC (Shamanic State of Consciouness, para Michael Harner). Neste, uma memória xamânica arquetípica nos leva a vivenciar poderes de cura mineral, vegetal e animal. No SSC o xamã se mantém lúcido, com o completo domínio do Ego. Diferencia-se também por ter sempre um animal tutelar protetor (ou muitos) a seu serviço. E com o qual, viajando no tambor, desce aos Mundos Profundos ou sobe aos Mundos Superiores. É nesse estado alterado de consciência que leva a um contato direto com o inconsciente coletivo que se dá a terapia xamânica.

Os recursos terapêuticos são: externos - tambor e terapeuta; internos - animal tutelar e túnel xamânico. Individual ou grupalmente, o "xamã terapeuta", em ambiente calmo e escuro, leva o paciente, através das batidas suaves e rítmicas de um tambor, a penetrar no SSC. A experiência ocorre como um sonho, mas o paciente tem completo controle de suas ações e pode, se quiser, direcionar sua viagem. A viagem aos Mundos Profundos ou Superiores tem sempre um propósito, a cura, e um objetivo claro e específico que pode ser de conhecimento, restauração de forças (revitalização) ou busca da parte perdida da alma - redenção do Ego e ampliação da consciência.

O início da terapia ocorre com o encontro com o Animal Tutelar e do Túnel Xamânico que é a passagem para os Mundos Profundos. Aqui já temos material para várias sessões pois este primeiro contato vai mobilizar as resistências, defesas e angústias básicas do paciente, com em qualquer terapia. Após a descoberta de seu Animal Tutelar (função superior) e de dançar a sua dança já no OSC (Ordinary State of Consciousness segundo Michael Harner - Estado Normal de Consciência), o Ego, regendo o processo, confronta-se com o bi-polaridade do animal e suas características de personalidade, correspondentes à sombra animal. No seu aspecto positivo, esta possui intensa carga de energia criativo-curativa, por reger a energia vital do animal humano. Segue-se o encontro com os animais auxiliares (funções auxiliares) e inicia-se a longa Jornada do Herói, na qual ele receberá seu nome secreto xamânico, suas vestes, seus objetos de poder. A personalidade maná é constelada (o feiticeiro em nós) e o paciente se defronta com o Poder. Aprende a Canção de Força e o Passo do Poder, com os quais se protegerá na longa jornada do autoconhecimento. Esta o levará ao Animal Sábio, o equivalente ao Velho Sábio, com quem irá buscar conhecimento, sabedoria, equilíbrio e harmonia. E, finalmente, o Animal de Cura será procurado nos Mundos Profundos ou nos Mundos Superiores entre os quatro elementos: terra, fogo, água e ar, simbolismo do Self. Centro ordenador da psique total, o Self é fonte primordial de vida, de onde viemos e para onde vamos e, como tal, detentora do poder da "Eterna Juventude", a Fé, real fator de cura e sem a qual não há significado. Porém, onde mais se detém o trabalho terapêutico é na busca da parte perdida da alma. O terapeuta e o paciente viajam para recuperá-la. Esta parte refere-se sempre à grande luta do herói (Ego) com seus complexos pessoais que serão analisados no estado OSC. O trabalho de retirada das camadas dos complexos corresponderá a novas percepções e modificações de atitudes - conceito final de cura para Jung.

CONCLUSÃO - Por ser uma terapia na qual o paciente é levado a mergulhar no inconsciente coletivo, onde repousam os arquétipos reestruturantes, o fator de autocura é mobilizado em sua fonte na figura do Xamã, Curador Primordial. A vivência simbólica xamânica refaz a ligação consciente-inconsciente e surge um novo centro ordenador de consciência - o Self, que irá reger o processo de casamento do instintual com a consciência egóica. O paciente, regido pelo arquétipo do xamã, transforma-se no artífice de sua própria cura.

Carminha Levy, 1988

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Leia também: - O que é Xamanismo

- Introdução ao Xamanismo

- O que é Xamanismo Matricial


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