Muito
antes da ciência moderna descrever
o surgimento do universo a partir da explosão
de uma pequena bola de fogo primeva, que
se expande desde então, nossos ancestrais
pré - históricos já
contavam a história de como o mundo
se originou da Grande Deusa Criadora, ao
mesmo tempo útero e força
geradora do Universo.
O Rigveda, texto maior do Bramanismo, nos
fala de Aditi, o grande útero que
contém todo o Universo. Progenitora
da criação cósmica,
como uma mãe ela alberga em seu útero
Agni, o Deus do fogo. Ela é a yoni
ou vulva do universo, o útero - mãe
que deu à luz todos os deuses do
panteão védico. Por sua natureza
generosa, ela é a vaca cósmica
que nunca se exaure e que circula como a
substância da vida em tudo o que existe.
Para o povo Dogon de Mali, a criação
começa com Amma, um ovo que é
a semente dos cosmos. Após vibrar
sete vezes, rompe-se para revelar um espírito
criador Nommo. Mas é da Suméria
que nos vem o registro do primeiro nome
de uma divindade criadora do Universo. Conta
o mito que a mãe primordial do abismo
aquoso é Nammu, a mãe que
deu à luz o céu e a terra.
Como dragão primevo que vive sob
águas, é capaz de andar sobre
a terra; dotada de asas para voar, respira
fogo; representa os quatro elementos da
criação.
Em Hesíodo, esta origem é
chamada de Chaos, que, ao entreabrir-se
(significado da palavra Khaos em sua forma
verbal Khaíno), dá à
luz Gaia e Eros. Em seu significado original,
caos não se refere à desordem,
mas ao espaço vazio do qual emerge
a forma. Este grande vazio que, no mito
nórdico, se localiza entre a luminosidade
e o fogo do sul e o mundo de neve e gelo
do norte, gera Ymir, o gigante de cujo corpo
se forma o mundo dos seres humanos - de
seu sangue, o mar e os lagos; de sua carne,
a terra; de seus ossos, as montanhas; de
seus dentes e garras e ossos quebrados,
as rochas e as pedras. Esse mundo é
guardado pela serpente marinha que circunda
a terra e habita as profundezas do oceano.
Estas águas primordiais, sempre associadas
a uma grande serpente ou dragão que
circunda a Terra, são o grande útero
abissal, o profundo maternal que recebe
o nome Thiamat na Babilônia e Themis
na Grécia. No Egito é Nun,
cujas energias caóticas continham
as formas potenciais de todas as coisas
vivas. Tudo era água em todo lugar.
O espírito criador estava presente
nessas águas primordiais do escuro
abismo, uma colina emergiu, a " colina
do primeiro tempo", e esse foi o primeiro
tempo da luz.
A física moderna afirma que o universo
é uma teia dinâmica de padrões
energéticos inseparáveis,
um fluxo e mudança contínua
de algo que não tem forma. Como águas
primordiais, o cosmo orgânico se move
ritmicamente, num movimento incessante.
Os hindus o denominam de brahman, "aquilo
que cresce", sem forma, imortal e em
contínuo movimento. Para os chineses
é o tao, o modo de ser da natureza.
Nos anos 60, surge a concepção
de que o universo nasce do vibrar de minúsculas
cordas que, como se fossem notas musicais,
produzem os quarks. Inicialmente denominada
de teoria das Supercordas, teve seu nome
alterado para Teoria M, de matriz, isto
é, mãe. É ao ritmo
dessa música que Maha-Kali, a deusa
do oceano de sangue, dança no círculo
de fogo, antes que Shiva assumisse seu lugar
como o senhor que dança os ciclos
cósmicos da criação
e destruição, os ritmos do
nascimento e da morte.
Em nossa cultura ocidental, centrada na
figura de um deus masculino, o mundo é
criado a partir da palavra. Mas é
uma palavra que ordena, não uma palavra
que cria. A meio caminho da palavra como
criação e da palavra como
ordenação, está o mito
maia que diz: "No ínicio, quando
a face da terra ainda não está
clara, apenas o mar sozinho está
reunido sob todo o céu. Enrolada
na água, envolta por penas verdes
e azuis brilhantes, encontra-se a serpente
emplumada Guarmatz. Do silêncio do
céu acima, o Coração
Celeste e Guarmatz começam a falar
entre si, discutindo a criação,
o primeiro alvorecer e o fazer de pessoas
e seu alimento. Pela sua falta apenas, as
montanhas e a terra magicamente emergem
das águas e florestas de ciprestes
e pinheiros instantaneamente cobrem o campo."
Aqui ainda estamos diante da palavra falada,
fluida, da tradição oral,
onde a história é reformulada
à medida em que é transmitida,
diferentemente da palavra escrita, que se
torna lei, fixa, estática, perdendo
sua musicalidade, sua fluidez, seu ritmo
que a caracterizam como a serpente ou o
dragão, o monstro das águas
que o herói precisa vencer, ao instaurar
o poder masculino. É através
dos mitos heróicos que a serpente/dragão
chega até nós. Personagem
de tradições orais, é
transformada no demônio ou monstro
que precisa ser vencido antes que outra
cultura possa dominar.
O tema das águas primordiais como
origem da vida é encontrado nas mais
diferentes culturas. São as águas
que Thales de Mileto chamou de arché,
a "causa primeira no começo
de todas as coisas". Em seu sentido
de começo, origem, arché compõe
palavras como arcaico e arquétipo.
É neste sentido que entra na composição
da palavra matriarcado, que deve ser lida
como "na origem, a mãe".
Monika
Von Koss - é
psicoterapeuta transpessoal - trabalha com
o 'Espaço do Feminino' - www.caldeirao.psc.br
Instituto de Pesquisas Xamânicas
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